terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Sem fiscalização, vagões femininos são desrespeitados no Rio: "a maioria é homem"


Vigora no Rio de Janeiro, desde 2006, uma lei estadual (4.733) que disponibiliza vagões exclusivos para mulheres nos trens e metrôs durante os horários de pico (de 6h às 9h e das 17h às 20h). A regra, no entanto, é controversa e pouco cumprida.

De acordo com o relatório de fiscalização e indicadores operacionais de outubro de 2013 – o mais recente disponível – da Agentransp (Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos de Transportes do Rio), naquele mês, de 2.039 carros femininos inspecionados, em quase 60% haviam homens.

Até este período do ano passado, as piores situações costumavam ser encontradas no ramal Belford Roxo, que, em julho, chegou a ter quase 100% dos carros inspecionados com a presença de homens.

Números da SuperVia

40% dos 3.260 trens inspecionados não contavam com iluminação completa

30% de 3.076 trens em operação tinham janelas avariadas

40% dos trens, entre 5.799 fiscalizados, estavam sujos externamente

10% de 3.262 trens analisados em uso estavam sujos internamente

445 trens circularam com as portas abertas, entre 5.790 inspecionados

Dados de out.2013, divulgados pela Agetransp

A SuperVia, concessionária que gere os trens urbanos do Rio de Janeiro, afirma que cumpre com a Lei Estadual nº 4.733/06, que determina a identificação e disponibilização de um carro exclusivo para mulheres nos horários de maior movimento, mas que não tem autonomia para retirar os homens de dentro dos vagões femininos. A Supervia afirma ainda que investe em campanhas de conscientização para orientar e ampliar a boa convivência também dentro dos trens.

Ana Paiva, 70, é auxiliar-administrativa e pega, de segunda a sexta, um trem entre Olaria e São Cristóvão, justamente no horário de pico. Para ela, o carro feminino pouco faz diferença.

“Às vezes procuro [o vagão rosa], mas às vezes está cheio, e a maioria tudo é homem”, contou. Ela diz também que são raras as vezes em que consegue viajar sentada –enquanto ela falava com a reportagem do UOL, de pé, vários homens dormiam sentados no vagão feminino, por volta das 7h30. 

Para os homens, a justificativa para burlar a regra é a superlotação dos demais vagões, enquanto os das mulheres fica, geralmente, mais vazio. Para Marcos César, que pegava uma composição da Penha à Central, no ramal de Saracuruna, também por volta das 7h30, a situação é injusta.

“Respeitar eu respeito [as mulheres], mas vou deixar de trabalhar porque só elas podem entrar no vagão e os outros não têm nem condição de entrar? A culpa é minha? Complicado!”, diz.

A babá Noelia Nunes relata que já passou por situações de assédio no vagão feminino. “Tava [sic] o trem muito apertado e ele vinha nas minhas costas. Eu falei ‘se você encostar de novo, te dou uma bolsada na cara’, e ele achou ruim”, lembra.

Segundo ela, a fiscalização só coíbe a entrada de homens nos carros na Central, quando há agentes por perto. “Não vejo avanço, continua tudo do mesmo jeito. O vagão é da mulherada, mas os homens tão entrando”.

Embora a reclamação dos homens seja a de que a lei piore a lotação dos trens, para o professor Hostilio Ratton, do Programa de Engenharia de Transportes da pós-graduação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), ela não muda muito a situação em relação à qualidade do sistema.

“Claro que a reserva de carros só para as mulheres e no horário do pico também em princípio concorreria para a pior qualidade do transporte. Mas, como o transporte já é muito ruim e, por ser ruim, não consegue assegurar a aplicação da lei, o efeito sobre a qualidade já ruim do transporte é desprezível. Não melhora para as mulheres e não piora para os outros”, diz.

Segundo a professora da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e representante do Brasil no Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher da ONU (Organização das Nações Unidas) Silvia Pimentel, a ideia de um vagão separando homens de mulheres revela um estágio civilizatório muito primitivo da população, repleta de estereótipos machistas e patriarcais.

Para Silvia, a lei dos carros femininos funciona enquanto estágio temporário para uma mudança de comportamento. Mas, por ser de 2006 e ainda haver relatos de abusos, pode ser questionada. “Ela só faz sentido acompanhada de programas na área de educação e cidadania”, diz.

Já a Agetransp diz que fiscaliza a disponibilização dos vagões, de agentes de apoio e de sinalização por parte das concessionárias, conforme previsto em lei. E esclarece ainda que, embora fiscalize a presença dos homens em vagões exclusivos, não cabe multa à SuperVia, que cumpre a determinação de oferecer os carros, e nem aos passageiros irregulares – conforme texto da lei.

Segundo José Luiz Lopes Teixeira, gerente de fiscalização da Agetransp, os carros femininos são uma questão complexa, na qual a ação coercitiva pode ser um complicador.

“A repressão atrasa. Nossa tentativa é de gerar cada vez mais um comportamento por cultura, trabalhando em relação a esse aspecto. O usuário faz parte do sistema, o comportamento dele pode piorar ou melhorar a situação”.

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