domingo, 8 de dezembro de 2013

O verdadeiro nó da mobilidade


Por Jaime Lerner

A mobilidade é o tema do momento. É o principal detonador da mais impressionante onda de manifestações que esse país viu nas últimas duas décadas. E é também uma das prioridades das obras para a Copa do Mundo de 2014. Entretanto, o tema tem gerado uma série de grandes equívocos. Do que estamos falando, afinal? Com certeza, é mais que uma discussão sobre tarifa. 

Mobilidade tem a ver com qualidade de vida. A população quer ser atendida com respeito e ter transporte público de qualidade. Mas isso só vai acontecer quando metronizar-onibus-350as cidades e seus gestores entenderem que é preciso ter uma boa operação de todo o sistema de transporte. Não importa se temos ônibus, metrô, bicicletas, táxis ou barcas: a qualidade da gestão é fundamental. Da mesma forma, não adianta o governo investir US$ 50 bilhões em mobilidade se o dinheiro for consumido por duas a três linhas de metrô em poucas cidades. Isso não leva a nada.

Temos de levar soluções para as grandes e médias cidades, onde 70% da população se desloca na superfície. Para isso, o primeiro passo é melhorar a operação. Ao contrário do que pregam os pessimistas, qualquer cidade pode equacionar esse problema de maneira rápida – e 50 vezes mais barata que o metrô.

Precisamos “metronizar” a superfície. Isto é, dar aos ônibus a performance de um metrô. A implantação de vias expressas e corredores exclusivos, com estações de pagamento antecipado e embarque rápido, viabiliza uma boa operação de superfície em qualquer cidade, sem comprometê-la com obras de custo astronômico. Podemos garantir a qualidade através de condições ideais de rapidez, conforto e frequência. Tudo isso em menos de três anos. 

A mobilidade está ligada à visão de que cidade é um local não só de moradia, mas também de trabalho e lazer. É um equívoco separar essas funções, obrigando as pessoas a enfrentar grandes deslocamentos. Nesse modelo, já superado, o ímpeto do gestor público é colocar mais ônibus em circulação – o que gera mais engarrafamentos em horários de pico.

É preciso compreender que existem diversas alternativas ao ônibus. Todas elas passam por uma nova concepção do desenho urbano. A cidade não pode mais ser “fatiada”, colocando-se lazer aqui, moradia lá e trabalho acolá. É preciso integrar essas funções. 

parada-onibus-curitiba-350A região sul do país tem muito a ensinar nesse sentido. Curitiba e Florianópolis, por exemplo, inspiram novas maneiras de se pensar a mobilidade – e podem ser usadas como modelo. Curitiba foi a primeira cidade do mundo a implantar o BRT (sigla de Bus Rapid Transit). Nesse sistema, o ônibus roda em canaletas exclusivas, o embarque é feito em plataformas elevadas (as pessoas não precisam “subir” no veículo) e a passagem é paga com antecedência, na estação. Hoje, a capital paranaense é referência mundial em mobilidade e mais de 150 cidades copiam o modelo. É claro que o BRT não está livre de problemas – quase sempre, decorrentes de equívocos de gestão e falhas na operação. Mas ele ainda tem muito para contribuir. 

Florianópolis também tem grandes dificuldades. A ilha é extensa, as ligações com o continente são poucas e estão congestionadas. Mas a solução está lá – é inconcebível que, até hoje, a cidade não tenha desenvolvido um sistema aquaviário de transporte. Varias melhorias poderiam ser feitas a partir do aproveitamento da água. Nada de grandes obras ou viadutos – apenas novos terminais e vaporetos. Florianópolis poderia ser referência para cidades com a geografia similar. 

Num cenário ideal, o transporte público se tornará o principal meio de locomoção das pessoas para o trabalho e para a escola. Já o carro ficará cada vez mais restrito aos deslocamentos de lazer. Depois, nem isso. No futuro, é possível que o carro se torne algo tão limitado quanto o cigarro. Cabe ao governo entender e estimular essa transição. Para isso, porém, é necessário abrir mão de impostos em prol da população – e não do automóvel. Só assim se resolverá o problema. 

A questão da mobilidade está muito presente na realidade do cidadão. Ele sabe que engarrafamento é tempo jogado fora. Tempo de estar com a família, de pesquisar, de produzir. E nosso país não pode mais se dar o luxo de continuar perdendo tempo.

*Arquiteto, ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná

Revista Amanhã

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